
Vera Rodrigues, head of People da MC | Sonae: Lições de Trump? Não, obrigada!
Felizmente, o mundo tem avançado no sentido oposto, mas todos sabemos que o governo de Trump rejeita, por exemplo, todas as metas de desenvolvimento sustentável da ONU. Não nos deixemos contagiar, por um minuto que seja, pelas divagações vindas do outro lado do oceano.
Por Vera Rodrigues, head of People da MC | Sonae
Há uns meses, lia um artigo da Harvard Business Review (HBR) que me ficou particularmente na memória. Nesse artigo, o autor abordava de forma clara e incisiva o facto de as normas contabilístico-financeiras norte-americanas (e não só) serem as piores inimigas das melhores práticas de Gestão de Pessoas. A tese de Peter Capelli vai no sentido de evidenciar que a informação puramente financeira reflectida no balanço das empresas norte-americanas tenderia a distorcer todas as decisões de contratação, formação e desenvolvimento das equipas, incluindo a gestão dos próprios benefícios atribuídos aos colaboradores. Sendo as pessoas tratadas como mero custo e sendo o investimento que lhes é dirigido considerado meramente como despesa corrente, não há dúvidas de que, nessa visão simples e de muito curto- -prazo, quanto maior é o investimento e os gastos em pessoas, piores são os resultados das empresas.
Felizmente, o mundo tem avançado no sentido oposto e, desde logo, as dinâmicas dos mercados e os olhos dos investidores têm evoluído, cada vez mais, no sentido de incorporar critérios e práticas de ESG (Environmental, Social, and Corporate Governance) na forma como avaliam as empresas. Hoje, o papel das organizações na sociedade vai muito além da mera, mas importante, maximização dos lucros. Actualmente, o compromisso das empresas com o futuro e com longo-prazo, com o bem-estar dos seus colaboradores, com o bem-estar das comunidades em que se inserem, e com a protecção do planeta é uma tendência mundial inexorável.
Não deixemos, pois, por um minuto que seja, que sejamos contagiados com divagações e lições vindas do outro lado do oceano! Já todos sabemos que o governo de Trump rejeita, por exemplo, todas as metas de desenvolvimento sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas), que incluem objectivos como alcançar a igualdade de género, enfrentar as alterações climáticas ou erradicar a pobreza no mundo.
É por demais evidente, como também todos sabemos – e como costuma dizer-se –, que “não há planeta B”. Assim, e no âmbito desse desígnio, as empresas têm obviamente um papel a cumprir e uma responsabilidade a assumir nas sociedades em que se inserem. Desde logo, porque é exactamente a adopção dessas práticas que tem o poder de diferenciar e de agregar maior valor às empresas, pelo menos àquelas que se posicionam como “long living companies”.
O compromisso com a sustentabilidade e com a criação de um impacto positivo na sociedade e no meio ambiente é uma regra fundamental das empresas que querem atrair o melhor talento, aumentar a satisfação e o sentido de propósito por parte dos seus colaboradores, bem como melhorar a fidelização do seu talento. E o círculo só pode ser vicioso: se é com os talentos mais comprometidos e de maior potencial que as empresas se distinguem dos seus concorrentes, é obrigatório que cada organização faça o alinhamento das suas práticas com o propósito de uma sociedade que seja capaz de criar cada vez mais riqueza (para poder distribuí-la), mas, ao mesmo tempo, ser mais justa, equitativa e orientada para o longo prazo.
Empresas socialmente responsáveis não só garantem a atracção dos melhores talentos, como contribuem para que as suas lideranças e equipas se sintam mais orgulhosas e com vontade de permanecer na organização. Continuemos, por isso, a nossa jornada de investimento nas pessoas e também no desenvolvimento das lideranças. Mas façamos o caminho de traduzir esses investimentos em valor acrescentado, em números e em impacto positivo no negócio, na estratégia de longo prazo das empresas e na comunidade como um todo. Para que, assim, tenhamos cada vez mais organizações com os olhos postos num “balanço sustentável“ de longo prazo e não numa mera demonstração de “fluxos de caixa” mensal… Porque receber “ lições de Trump”… não, obrigada! Isso é que não poderemos nunca aceitar!
Este artigo foi publicado na edição de Maio (nº. 173) da Human Resources, nas bancas.
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